Este é um espaço para a reflexão de temas que em algum momento e por alguma razão (do meu contexto pessoal ou da minha prática clinica) se tornaram, usando uma expressão gestáltica, importantes FIGURAS no imenso FUNDO existencial.

3 de janeiro de 2015

2015

O clima coletivo de final/início de ano é sempre de planos, expectativas e promessas. Li uma mensagem, dentre as várias que circulam nesse período, que me fez refletir sobre o nosso hábito de desejar, para nós mesmos e para nossos queridos, um "Feliz Ano Novo". 

É claro que o desejo de que o ano seja bom e feliz é totalmente compreensível, mas a verdade, como bem escreveu Maurício Neubern (um excelente professor que meu deu aulas na graduação), é que o ano em si não nos trará nada de novo ou de bom.

2015 não lhe fará mais feliz.
2015 não lhe trará mais amigos, nem preservará os que você tem.
2015 não lhe trará mais amor.
2015 não lhe fará perdoar pessoa alguma.
2015 não lhe trará saúde.
2015 não lhe poupará os sofrimentos.
2015 não lhe abrirá caminhos novos.
2015 não lhe fará mais fiel aos compromissos maiores.
2015 não lhe fará mais próspero, nem com mais sucesso.
2015 não transformará sua vida.
2015 não lhe ensinará coisa alguma.
Mas, se você tiver a coragem de aceitar a si mesmo, de cumprir com o que seu coração fala, mesmo que indo contra o mundo inteiro; se você topar os desafios para os quais você nasceu e tiver a fé para se deixar conduzir pelas forças maiores; se você aceitar se tornar o ser humano um dia projetado na mente de Deus,
Então
2015 lhe trará grandes amigos e renovará os que já entraram em sua vida.
2015 lhe fará uma pessoa mais amorosa.
2015 lhe ensinará a ver o mundo com fé.
2015 lhe dará disposição e sentido para trabalhar.
2015 lhe trará saúde do corpo e da alma.
2015 lhe ensinará a fazer melhores opções.
2015 transformará suas dores em ensinamentos.
2015 lhe abrirá as portas do perdão.
2015 lhe conduzirá para ser ético e bom, independente das circunstâncias.
2015 lhe fará mais próspero em vários sentidos.
2015 lhe ensinará a colocar o sopro de sua alma em cada ação que fizer e a viver cada segundo, aqui, presente. E encontrar sentido na vida.
2015 será seu mestre em leveza e alegria.

(Maurício Neubern, num post do facebook)

Essas palavras me conduziram para um novo ponto de vista: o mais sensato e realmente fecundo não é desejar ou esperar que o "cenário" seja feliz, mas sim que o "protagonista" possa ser feliz em sua capacidade de dar vida e sentido ao seu cenário, tal como ele se apresenta aqui e agora. A expectativa de que o ano seja bom, em certo sentido, é ilusória. Precisamos abrir mão da ilusão e assumir plena responsabilidade pelo ano que se inicia. Nosso clássico voto "Feliz 2015 para você" deveria, como sugeriu Maurício, ser substituído por "Feliz você em 2015". Dentro da lógica da causa e efeito, poderíamos até dizer que somos a causa e 2015 o efeito!
"(...) a criança dentro de vocês deseja que tudo seja da forma que ela quer, do jeito que ela quer e na hora em que ela quer. Mas vai além disso. Isso implica também ter total liberdade sem responsabilidade. Vocês podem não ter consciência de que desejam exatamente isso. Mas tenho certeza de que, ao examinarem algumas de suas reações e se perguntarem o que elas realmente significam, quando chegarem à raiz delas, sem dúvida descobrirão que essa parte de vocês quer exatamente isso. Vocês querem, acima de vocês, uma autoridade benevolente que conduza suas vidas de todas as formas do jeito que vocês desejam. Vocês querem total liberdade com relação a tudo, vocês querem tomar decisões e fazer escolhas livremente. Se elas forem acertadas, o crédito é de vocês. No entanto, vocês não querem ser responsáveis por nada de ruim que aconteça. Então, vocês se recusam a ver a ligação entre um acontecimento e suas próprias ações e atitudes. Vocês encobertam tão bem essas relações de causa e efeito que, depois de um certo tempo, é preciso realmente um grande esforço para trazê-las à tona (Palestra do Guia Pathwork nº 60 / O abismo da ilusão - utopia - liberdade e auto responsabilidade).

Seja lá como for este ano que se inicia, no cotidiano percurso da individuação, e dentro da perspectiva da auto-responsabilidade, quem deve ser feliz, leve ou próspero somos nós, os senhores de nossas vidas e destinos, os únicos verdadeiramente responsáveis pelo nosso céu e inferno. Que possamos, então, estar de braços e corações abertos para tudo o que vier em 2015, cultivando a certeza de que tudo o que vem, chega na medida certa, como mais um tijolinho que podemos utilizar para edificar nossa felicidade. Nas palavras de Rudolf Steiner:
"Temos que erradicar da alma todo medo e temor do que o futuro possa trazer ao homem. Temos que adquirir serenidade em todos os sentimentos e pensamentos a respeito do futuro. Temos que olhar para frente com absoluta equanimidade para com tudo o que possa vir. Temos que pensar somente que tudo o que vier, nos será dado por uma direção universal plena de sabedoria. Isto é parte do que temos que aprender nesta era: viver com plena confiança sem qualquer segurança na existência. Confiança na ajuda sempre presente do mundo espiritual. Em verdade, nada terá valor se a coragem nos faltar. Disciplinemos nossa vontade e busquemos o despertar interior, todas as manhã e todas as noites".
Essa ideia de que devemos diária e corajosamente abraçar os desafios para os quais nascemos e seguir o caminho do coração com auto-responsabilidade e confiança na guiança maior (que não é benevolente nem malevolente, ela simplesmente é, e muitas vezes "escreve certo por linhas tortas") me fez lembrar da  parábola "A cruz e a ponte" e da música "O Alfaiate Supremo". Ambas são, ao meu ver, fontes de inspiração para NOSSA missão de, independe das circunstâncias, afirmar a vida e firmar em nossa existência "o ser humano um dia projetado na mente de Deus". Falam sobre a arte de transformar "bolas de canhão em lindas e lúdicas bolhas de sabão", "nossas penas da vida em maravilhosas penas de pavão" e, assim, irmos, aos poucos, limpando nossa visão para ver que nossa cruz é, na verdade, uma ponte feita sob medida para atravessarmos o abismo que nos separa de quem realmente somos e do que realmente viemos fazer nesta escola/vida (em 2015, 16, 17... até o derradeiro fim dos anos).

 A CRUZ E A PONTE

Certa vez um homem foi visitado por um anjo que lhe disse: 
- Eu vim trazer a sua cruz para que você possa carregá-la na sua jornada. 
Ele pegou a cruz e seguiu a jornada da vida. Depois de muito caminhar, encontrou um homem extremamente persuasivo que lhe perguntou: 
- O que você está fazendo com esta cruz aí? Está maluco? Ela deve ser muito pesada.
 E ele respondeu: 
- Não estou maluco não, cada um deve carregar a sua cruz. Mas ela realmente é pesada.
- Então por que você não corta um pedaço do pé da cruz? Vai ficar mais leve.
- Eu não posso fazer isso, é a minha cruz, eu tenho que carregá-la.
- Que besteira. Corta só um pedacinho, ninguém vai saber. Assim vai ficar mais leve para você carregar.
E o homem o convenceu de cortar um pedaço.
- Viu, não ficou mais leve?
- É, você tinha razão, só um pouco não vai fazer mal.
E ele continuou seguindo a sua jornada. Lá na frente, eis que ele encontra novamente aquele homem:
- Você continua carregando isso aí? Achei que tivesse desistido.
- Sim, eu continuo carregando a minha cruz.
- Mas ela deve estar muito pesada. Por que você não corta mais um pouco? Vai ficar mais leve.
- É, pode ser, não doeu nada da outra vez.
- Vamos cortar. Só que dessa vez vamos cortar um pouco mais pra ela ficar bem mais leve.
Ele concordou em cortar e depois seguiu sua jornada, carregando agora uma minúscula cruz. Muito tempo depois ele avista a cidade maravilhosa, cheia de ouro, pedras preciosas, prata. Era a visão mais maravilhosa que ele já teve em toda a sua vida. Era tão iluminada e brilhava tanto que não precisava do sol. Quando sem esperar ele se depara com um abismo e tamanho era o desespero que ele começa a gritar: 
- Me ajudem, quero atravessar, socorro alguém, por favor, me ajude, quero entrar na cidade. 
Cansado de tanto gritar, ele vê do outro lado do abismo o anjo, aquele que lhe entregou a cruz. E o anjo pergunta:
- O que você está  fazendo aí do outro lado? Por que você ainda não atravessou?
- Como? Não vê o abismo que nos separa?
- Sim vejo, respondeu o anjo
- Então, como eu vou atravessar?
- Onde está a ponte que eu te entreguei?
- Ponte? Você me entregou uma cruz e ela está aqui comigo.
E o anjo disse:
- Então, coloque-a no meio do abismo, porque o tamanho dela é exato para que você possa atravessar.
O homem analisou a largura da vala, comparou-a com a sua cruz e olhou desolado para o anjo. Mas este apenas lhe disse:
- Cada um só pode atravessar pela própria cruz. É uma pena, mas você terá que voltar e juntar todos os pedaços serrados, reintegrá-los e trazer a cruz inteira.


"As coisas já são o que são e agora somos nós que precisamos ser sãos!"

4 comentários:

Luciana Cavalcante disse...

Adorei o texto Paula!!! Parabéns!!!

Paula Medeiros disse...

Que bom, Lú! Grata pela visita e pelo incentivo, é muito gratificante receber seu feedback!

Daniela disse...

Paulinha amada , seguirei ainda mais confiante , inspirada e agradecida depois de ler seu texto.

Paula Medeiros disse...

Sigamos, Dani, com confiança,entrega e auto-responsabilidade!