Este é um espaço para a reflexão de temas que em algum momento e por alguma razão (do meu contexto pessoal ou da minha prática clinica) se tornaram, usando uma expressão gestáltica, importantes FIGURAS no imenso FUNDO existencial.

17 de março de 2013

Leonardo Boff fala de Jung

Leonardo Boff coordenou junto à Editora Vozes a tradução da obra de C.G. Jung (18 tomos). No vídeo "Leonardo Boff fala de Jung", aqui dividido em três partes, ele nos apresenta as relações entre a psicologia analítica e a espiritualidade. Vale a pena assistir!


Parte 1:


Parte 2:

                                  



Parte 3:


2 de março de 2013

A justa medida de valorização do nosso passado, presente e futuro

  

                                            Relógios Moles ou a Persistência da Memória - Salvador Dali -1931

Um pouco de Schopenhauer, que é frequentemente citado por Jung, para iniciar a reflexão:


Só o Presente é Verdadeiro e Real
Um ponto importante da sabedoria de vida consiste na proporção correta com a qual dedicamos a nossa atenção em parte ao presente, em parte ao futuro, para que um não estrague o outro. Muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados. É raro alguém manter com exatidão a justa medida. Aqueles que, por intermédio de esforços e esperanças, vivem apenas no futuro e olham sempre para a frente, indo impacientes ao encontro das coisas que hão de vir, como se estas fossem portadoras da felicidade verdadeira, deixando entrementes de observar e desfrutar o presente, são, apesar dos seus ares petulantes, comparáveis àqueles asnos da Itália, cujos passos são apressados por um feixe de feno que, preso por um bastão, pende diante da sua cabeça. Desse modo, os asnos vêem sempre o feixe de feno bem próximo, diante de si, e esperam sempre alcançá-lo. Tais indivíduos enganam-se a si mesmos em relação a toda a sua existência, na medida em que vivem ad interim [interinamente], até morrer. Portanto, em vez de estarmos sempre e exclusivamente ocupados com planos e cuidados para o futuro, ou de nos entregarmos à nostalgia do passado, nunca nos deveríamos esquecer de que só o presente é real e certo; o futuro, ao contrário, apresenta-se quase sempre diverso daquilo que pensávamos. O passado também era diferente, de modo que, no todo, ambos têm menor importância do que parecem. Pois a distância, que diminui os objetos para o olho, engrandece-os para o pensamento. Só o presente é verdadeiro e real; ele é o tempo realmente preenchido e é nele que repousa exclusivamente a nossa existência. Dessa forma, deveríamos sempre dedicar-lhe uma acolhida jovial e fruir com consciência cada hora suportável e livre de contrariedades ou dores, ou seja, não a turvar com feições carrancudas acerca de esperanças malogradas no passado ou com ansiedades pelo futuro. Pois é inteiramente insensato repelir uma boa hora presente, ou estragá-la de propósito, por conta de desgostos do passado ou ansiedades em relação ao porvir.
Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida' (retirado do site www.citador.pt)

    Este trecho do "Aforismos para a sabedoria da vida" me inspirou a refletir sobre a atenção que devemos, durante a análise e no próprio cotidiano, despender ao nosso passado, presente e futuro. 
   A psicologia junguiana adota um ponto de vista teleológico, o que significa dizer que em sua investigação do sofrimento psíquico os propósitos, objetivos e finalidades intrínsecas ao desequilíbrio emocional são mais ou tão importantes que as causas. Ou seja, para além da preocupação com os "por ques" (as razões dos conflitos), a psicologia junguiana também considera o "para que" (o propósito de mudança implícito em todos os conflitos). Sondar o sentido oculto e o propósito subjacente às experiências vividas (no passado e no presente) torna-se, nesta perspectiva, mais promissor e libertador do que apenas buscar as causas, pois nem o presente, nem o futuro são simplesmente resultados do passado, são, acima de tudo, consequências de decisões conscientes tomadas no aqui-agora.
   Jung questionava a causalidade como princípio de explicação na psicologia. Alegava que as relações de causa e efeito, quando consideradas como o único fator capaz de explicar os meandros do funcionamento psíquico de uma pessoa, podem conduzir a uma compreensão demasiadamente redutiva. Somos criativos e mutáveis o suficiente para não nos reduzirmos ao "que nos aconteceu" ou ao que "fizeram conosco". A ideia mestra é a de que não somos exatamente, ou simplesmente, o que nos aconteceu; somos, acima de tudo, o que escolhemos ser.
   "Jung usava a palavra 'redutivo' para descrever o aspecto central do método, de Freud, de tentar revelar as bases ou raízes primitivas, instintivas e infantis da motivação psicológica" (Dicionário Crítico de Análise Junguiana - http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/mesinred.htm). E apresentava-se crítico a este método pois, a partir dele, o significado pleno do produto inconsciente (os sintomas, sonhos, imagens, lapsos da fala, etc) não podia ser revelado. "Ligando um produto inconsciente ao passado, seu valor presente para o indivíduo pode se perder" (idem).
   Em contrapartida, e considerando que Jung não rejeitava a importância de analisar o passado e a infância, sua proposta é a de que ao invés de supervalorizar a busca das supostas causas de uma determinada situação, considerando-a como a única fonte de repostas/soluções; devemos nos concentrar na investigação do onde a vida de uma pessoa, tal como ela está sendo vivida no aqui-agora, a está conduzindo. Essa perspectiva, teleológica, era chamada por ele de "sintética". Para o método sintético, os fenômenos psicológicos são considerados como tendo uma intenção, um propósito específico, ou seja, são abordados em termos de sua orientação para um objetivo.
   A unilateralização, e seus malefícios, é uma ideia amplamente trabalhada por Jung e sinteticamente significa a atitude de polarizar ou extremar um ponto de vista. No contexto da presente discussão, é de grande valia considerar esta perspectiva de que não devemos nos enrijecer em certezas e congelar em determinadas opiniões/atitudes, pois as abordagens redutivas e sintéticas são ambas válidas e podem e devem coexistir.
   Passado, presente e futuro possuem um valor relativo. Dependendo do momento em que estamos na compreensão de nossa vida e de nossa situação atual, um ou outro deverá ser melhor considerado, sem perder de vista que mesmo que o ponto de partida da análise seja o passado ou o futuro, o ponto de chegada é sempre o presente. Como asseverou Schopenhauer, só ele é real, "é o tempo realmente preenchido e é nele que repousa exclusivamente a nossa existência".
   Selecionei algumas citações de Jung feitas na conferência "As etapas da Vida" (volume "A natureza da psique") para complementar e suscitar novas reflexões sobre a forma como devemos nos relacionar (conduzir, contemplar, aceitar, integrar, refletir, trabalhar etc) com os fatos marcantes do nosso passado e presente e com as ligações entre ambos e nosso futuro:
"Quem se protege contra o que é novo e estranho e regride ao passado está na mesma situação neurótica daquele que se identifica com o novo e foge do passado. A única diferença é que um se alheia do passado e o outro do futuro. Em princípio, os dois fazem a mesma coisa: mantêm a própria consciência dentro de seus estreitos limites, em vez de fazê-la explodir na tensão dos opostos e construir um estado de consciência mais ampla e elevada" no aqui-agora (acréscimo meu) (p.343).
"Todos os distúrbios neuróticos, bastante frequentes, da idade adulta têm em comum o fato de quererem prolongar a psicologia da fase juvenil para além do limiar da chamada idade do siso" (p.346).
"O neurótico é, antes, alguém que jamais consegue que as coisas corram para ele como gostaria que fossem no momento presente, e, por isso, não é capaz de se alegrar com o passado" (p.346).
"Não podemos viver a tarde de nossa vida segundo o programa da manhã, porque aquilo que era muito na manhã, será pouco na tarde, e o que era verdadeiro na manhã, será falso no entardecer. (...) Por isto, a tarde da vida humana deve ter também um significado e uma finalidade próprios, e não pode ser apenas um lastimoso apêndice da manhã da vida" (p.348, 349).
    E para finalizar:
"(...) tenho observado que uma vida orientada para um objetivo em geral é melhor, mais rica e mais saudável do que uma vida sem objetivo, e que é melhor seguir em frente acompanhando o curso do tempo, do que marchar para trás e contra o tempo. (...) o velho que for incapaz de se separar da vida é tão fraco e tão doentio quanto o jovem que não é capaz de construi-la" (p.351).