Este é um espaço para a reflexão de temas que em algum momento e por alguma razão (do meu contexto pessoal ou da minha prática clinica) se tornaram, usando uma expressão gestáltica, importantes FIGURAS no imenso FUNDO existencial.

24 de fevereiro de 2013

"Mas o que, exatamente, esperar da análise? Como ela funciona?" Ou "A relação terapêutica analista e paciente"



"Cada um de nós espontaneamente evita encarar seus problemas, enquanto possível; não se deve mencioná-los, ou, melhor ainda, nega-se sua existência. Queremos que nossa vida seja simples, segura e tranquila, e por isto os problemas são tabu. Queremos certezas e não dúvidas; queremos resultados e não experimentos, sem entretanto nos darmos conta de que as certezas só podem surgir através da dúvida, e os resultados através do experimento. Assim, a negação artificial dos problemas não gera a convicção; pelo contrário, para obtermos certeza e claridade, precisamos de uma consciência mais ampla e superior. (...) Quando temos de lidar com problemas, instintivamente nos recusamos a percorrer um caminho que nos conduz através da obscuridade e indeterminações. Queremos ouvir falar somente de resultados inequívocos e nos esquecemos completamente de que os resultados só podem vir depois que atravessamos a obscuridade. Mas, para penetrar na obscuridade, devemos empregar todo o potencial de iluminação que a consciência nos oferece" (Jung, A natureza da psique, p.338/9, grifos meus).

    E é assim que, muitas vezes, chegamos à análise: decididos a olhar para os probelmas, mas ainda impregnados por algumas crenças ingênuas e bastante perniciosas. A de que há uma receita universal e imediata para a libertação da dor e do conflito que nos reportará automaticamente para um território seguro, tranquilo e feliz sem termos que adentrar no âmago da dúvida e das incertezas, morada inequívoca das respostas norteadoras. A de que há um "Outro Mágico" capaz de nos agraciar com a "salvação", alguém que terá prontamente as repostas certas, que fará magicamente nossa vida funcionar e que nos poupará, para aproveitar as palavras supracitadas de Jung, de todas as dúvidas, obscuridades e indeterminações.  
    Chegamos nos perguntando, e também ao analista, qual o caminho inequívoco a ser seguido, quais técnicas e quais procedimentos garantirão a simplicidade, segurança e tranquilidade tão almejadas. Chegamos ansiosos pelo encontro com as certezas, com os resultados e esperamos, ingenuamente, uma receita. 
    Mas é preciso compreender que a terapia é um passeio socrático (leia-se dialético) pelos terrenos obscuros, duvidosos e indeterminados da psique. O caminho e a direção que cada processo deve seguir vão sendo gradualmente iluminados pela consciência, que tendo como guia o Self Terapêutico, é capaz de visitar e clarear os lugares-chaves, que são totalmente particulares, individuais e historicamente determinados. 
    Os terapeutas que não estão identificados com a projeção do "Outro Mágico", bem sabem que os mapas (leia-se teorias, conceitos e técnicas) não são capazes de garatir a segurança (ilusória!) de que o trajeto a ser percorrido já é, de antemão, dado e totalmente conhecido. Não há um modelo universal de intervenção nem um protocolo invariavelmente aplicável, assim como não há um ser humano igual ao outro. Ainda que o sofrimento seja o mesmo (perda, luto, medo...) sua gênese, seu desenrolar e seu desfeche são sempre individuas.
    Jung não almejava à universalidade pois partia sempre da multiplicidade de subjetividades e via sua própria teoria psicológica como uma possibilidade, uma perspectiva, uma resposta possível (Maroni em Jung: o poeta da alma). 
    A "viagem ao interior de si mesmo", empreendida na parceria e em cumplicidade com o analista, é tão humana e imprevisível que reduzi-la à técnica prejudica não só o destino da viagem e o alcance do ponto de chegada que esta jornada pode conduzir, como todo o seu percurso. 
"A técnica é sempre um esquema sem alma e quem considera a psicoterapia como simples técnica corre, no mínimo, o perigo de cometer erros irreparáveis. Um médico consiencioso deve ser capaz de duvidar de todas as suas técnicas e teorias, caso contrário cai nas malhas do esquema. Mas, esquema significa estupidez e inumanidade. (...) A regra fundamental do psicoterapeuta é considerar cada caso como novo e único. Assim se chega mais próximo da verdade. Lidar com material psíquico requer grande tato e sensibilidade quase artística. Sem isto é muitas vezes difícil distinguir entre o que tem valor e o que não tem." (Jung, Civilização em transição, p.159). 
    Como afirma Condé, no texto que me inspirou estas reflexões intitulado "Para que serve uma psicoterapia", um mapa não pode ser concebido como sendo o próprio território, pois nele sempre existirá aquelas paisagens, cavernas, picos e encruzilhadas ainda não cartografadas. 
    E prossigo reproduzindo um trecho deste texto, que me foi enviado por e-mail por uma amiga psicóloga e por isso não tenho como especificar melhor a fonte. Mas são palavras que se afinam com meu pensar e que tocam em pontos essenciais da clinica junguiana e humanista. São ideias base que norteiam a prática analítica e que podem ser facilmente reconhecidas por aqueles familiarizados com a obra e pensamento de Jung.
"Mapas podem ajudar, mas também limitam as infinitas possibilidades contidas em um relacionamento, cujo território se amplia e aprofunda sempre que há um encontro entre dois ou mais seres sinceramente interessados na cura da alma (psiquê). (...) Acredito que um terapeuta não deve se tornar refém de seus mapas conceituais. Ele pode escolher estar pronto para esquecer deles em sua prática. Ele pode optar livremente e permanecer aberto para descer ao território do encontro, para ali estar simplesmente presente, sem temas preconcebidos, sem uma intenção de caminho certo a seguir. Aquietar-se e estar disposto a estar ali, presente à relação e a espera que de que “algo” se apresente para ambos. Intuir é possível na relação quando o terapeuta está sentindo uma simpatia com os sentimentos do seu cliente. Intuir não vem de uma idéia preconcebida percebida como adequada à uma situação. Surge no presente de uma relação quando algo sensível, que se encontra aí, querendo vir a tona, pode ser enfim aceito e reconhecido. Seja o que for é legitimo e pede algo à sensibilidade atenta de ambos" (Condé).
     Como disse Jung: "Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana". A análise é um encontro entre dois seres humanos e não entre uma técnica/teoria  e um objeto de estudo. Mesmo que optemos por usar a terminologia científica e falemos em "objeto", ainda assim, há de se considerar que o objeto da terapia não é a neurose (adoecimento ou desequilíbrio psíquico mas sim a pessoa que tem a neurose. O foco é a totalidade da pessoa que sofre e esta perspectiva exige que a totalidade do analista também se faça presente, e não apenas sua teoria. Em "A situação atual da psicoterapia" (Jung, Civilização em transição), Jung alerta sobre a necessidade de equilíbrio entre, o que chamarei aqui de, "coração e cérebro". Em suas palavras:

 
"É louvável que o médico tente ser o mais objetivo e impessoal possível e se esforce por não imiscuir-se na psicologia do paciente qual salvador miraculoso; o artificialismo nesta relação traz, porém, consequências perniciosas. Por isso não poderá ultrapassar impunimente os limites da naturalidade. Daria, assim, um péssimo exemplo ao paciente que não está doente por causa de um excesso de naturalidade" (Jung, p. 151)
      A falta de naturalidade e o excesso de artificialismo, que nos fazem adoecer lá fora, também não são bem vindos dentro do setting terapêutico. A autenticidade de um, favorece o desenvolvimento da autenticidade no outro. Exercitar a autenticidade dentro, nos ajuda a melhor experiencia-la fora, no cotidiano e em outras relações. O setting terapêutico é um microcosmo no qual, muitas vezes sem perceber, reproduzimos  os padrões de relacionamento de lá de fora; é, por isso mesmo, um lugar privilegiado para olharmos cuidadosamente para estes padrões e aprendermos novas formas "de ser e estar" nas relações e no mundo.
"Onde impera o amor, não existe vontade de poder; e onde o poder tem precedência, aí falta o amor. Um é a sombra do outro"

(Jung, Psicologia do inconsciente, p.45)
     Na relação terapêutica não há hierarquização. É claro que cada um possui um papel extramente diferente e bem definido, mas ambos são portadores de conhecimentos legítimos e numa perspectiva junguiana/humanista ninguem, além do próprio analisando, pode saber mais sobre si e sua dor. Se o terpaeuta é um mapa, seu cliente é o território; se o terapeuta é uma bússula, seu cliente é justamente o campo magnético que aponta o norte; se o terapeuta é um termómetro, seu cliente é quem lhe dá o contexto, os estados térmicos; se o terapeuta é um ser humano que acredita e trabalha com a incomensurável capacidade do homem de se reinventar, seu cliente é um ser humano capaz de resgatar a fé em sua própria capacidade curativa e criativa.

    
     Após estas reflexões, que são, de certa forma, repostas à pergunta-título "O que esperar da análise?", sinto-me mais confortável em enumerar o que este processo (que não está alicerçado numa relação de poder e no qual cada um dos envolvidos participa ativamente) pode, concretamente, oferecer:
Conscientização, insight, resigificação do passado, libertatação de algo, de alguém ou de partes de si mesmo que não fazem mais sentido, transformação, centramento, integração, independização, empoderamento, abandono de compulsões, automatismos e auto sabotagens, capacidade de estabelecer bons relacionamentos com outros e consigo próprio, com o passado, com o futuro e sobretudo com o presente...



    
   

4 de fevereiro de 2013

Abordagem junguiana do sofrimento - Parte 2


(Recomendo a leitura de "Abordagem junguiana do sofrimento - Parte 1" antes da leitura deste post, que é um acréscimo ao primeiro texto, no qual a perscpectiva junguiana do sofrimento é melhor explicitada).
 
Meias verdades
Meias vontades
 Meias saudades
                 Viver pela metade é ilusão
Tire suas meias
        Ponha o pé no chão 
                                                                       (Augusto Barros)

Complementando o que foi discutido no post "Abordagem junguiana do sofrimento - Parte 1", julgo importante refletir sobre o que James Hollis pontuou como sendo "sofrimento não autêntico" e  "sofrimento autêntico". Tendo em vista a importância de "tirar as meias e pôr os pés no chão", pensemos sobre o que significa sofrer uma dor de forma autêntica sem criar novas dores, novos sofrimentos "em cima" das chagas mais profundas...  

Antes de qualquer exposição sobre  a significação dada por Hollis para o que venha a ser o sofrimento autêntico e o não autêntico, vale refletir sobre o adjetivo escolhido para qualificar tão importante substantivo para o dicionário da vida: o sofrimento. 

A autenticidade, de acordo com o dicionário Houaiss, é a qualidade de tudo aquilo que é verdadeiro,  legítimo, adequado, genuíno. Em um primeiro momento, poderíamos nos perguntar: como pode haver um sofrimento que não seja legítimo, verdadeiro? Se na clinica psicológica todo sofrimento (grande, pequeno, simples, complexo, antigo ou novo) deve ser respeitado, acolhido e considerado como verdadeiro, como poderíamos dividir a experiência dolorosa de um indivíduo em autêntica ou não autêntica?
A qualidade de verdadeiro a qual Hollis se refere tem uma acepção especial no contexto de sua diferenciação do sofrimento e espero que esse sentido específico dado a palavra "autêntico" fique claro ao londo da minha exposição.

O "sofrimento não autêntico" é consequência de uma forma de vivenciar os problemas baseada na fuga. Dá-se, então, que diante dos problemas, várias defesas contra a vivência da experiência dolorosa e traumática são acionadas. São subterfúgios, evasivas ou soluções inadequadas/ineficientes que fazem com que o confronto autêntico com a dor seja anulado ou eternamente postergado. Importante frisar que o intuito de "fugir" e "criar defesas" contra as intempéries existenciais é, em essência, o de curar as feridas abertas, mas o resultado de tal estratégia é a geração de mais sofrimento. 

Como escreve Hollis “sem o sofrimento, que parece o requisito epifenomenal para o amadurecimento psicológico e espiritual, permaneceríamos inconscientes, infantis e dependentes. No entanto, muitos dos nossos vícios, apegos ideológicos e neuroses são maneiras de fugir ao sofrimento” (p.10). Ironicamente, gerando outros tantos! E prossegue o autor, que apesar de retratar uma realidade norte-americana, nos fala, em essência, de uma realidade universal: 
 "Um em quatro norte-americanos se identificam com sistemas de crenças fundamentalistas, buscando dessa forma aliviar sua jornada com valores simplistas, preto no branco, subordinando a ambiguidade espiritual à certeza de um líder e à oportunidade disponível de projetar a ambivalência da vida sobre seus semelhantes. Outros vinte e cinco por cento se entregam a algum tipo de vício, anestesiando momentaneamente a angústia existencial, apenas para vê-la implacavelmente retornar no dia seguinte. Os restantes escolheram ser neuróticos, ou seja, criar uma série de defesas fenomenológicas contra os ferimentos da vida" (Hollis, p.10).

Nesse contexto, o papel da terapia não é remover  de imediato o sofrimento, mas sim examiná-lo. O intuito é o de liberar a energia vital/psíquica que fica aprisionada na repetição incessante de padrões disfuncionais para que ela flua em direção a uma consciência ampliada capaz de sustentar as dolorosas contradições da vida, as angústias e as inevitáveis discrepâncias entre o que queremos e o que dispomos na realidade externa. Do contrário, permaneceremos fugindo, negando ou se vitimizando.

O "sofrimento não autêntico" é, em linhas gerais, aquele que, de uma forma ou de outra, encerra a alma em uma reação excessivamente ponderada, insegura e exitante diante da complexidade inerente à vida. É não autêntico, não verdadeiro por não ser profícuo, por não conduzir ao crescimento e por estar atrelado a (e ser conseqüência de) comportamentos que retardam o contato com a verdadeira área geradora de dor e angústia. Os sofrimentos advindos, por exemplo, dos vícios, da unilateralidade ideológica e das neuroses são, poderíamos dizer, de segunda ordem...o sofrimento primeiro, legítimo, aquele que deve ser melhor considerado e trazido a consciência, é aquele que se esconde atrás da motivação inconsciente em recorrer a estas estratégias amortecedoras: vício, apego ideológico, neurose, dentre tantos outras formas de fuga...

Isto posto, é possível entrever o que venha a ser o "sofrimento autêntico": uma reação realista às ásperas arestas da existência!

"Jung observou que o opus, o trabalho da alma, consiste em três partes: ‘insight, perseverança e ação’. A psicologia, comentou ele, só pode ajudar a fornecer o insight. Depois disso, vem a coragem moral de fazer o que precisamos e a força para suportar as consequências” (Hollis, p.21). 

O cumprimento do que Jung chamou de “obrigação moral” é o compromisso em assumirmos nossa responsabilidade perante tudo o que descobrimos e aprendemos no contato com o nosso inconsciente, fonte inesgotável de sabedoria. É vivermos aquilo que percebemos, é vivenciar no "mundo aqui em cima" o que recebemos através das percepções advindas do contato com a riqueza "do mundo subterrâneo". 
"O Inconsciente é natureza que nunca engana: só nós nos enganamos"
( C.G. Jung, Símbolos da Transformação, p. 54)   

Abordagem junguiana do sofrimento - Parte 1

 
James Hollis começa seu livro "Os pantanais da alma - nova vida em lugares sombrios" com uma inquietante reflexão  sobre o pensamento, amplamente difundido pela cultura ocidental, de que a meta da vida é alcançar a felicidade. 

Seus argumentos refutam esta ideia e o ponto fulcral de sua tese é o de que a vida é composta tanto por "campinas ensolaradas" quanto por "pântanos escuros", ambos lugares importantes para nossa jornada individual. 

É fácil perceber, mas nem tanto aceitar, que a vida é permeada por incertezas, intempéries  e acontecimentos desagradáveis que transcendem o nosso querer e estão longe do nosso controle. Estamos constantemente nos debatendo com a diferença entre o que gostaríamos e o que realmente encontramos ao nosso dispor. Diante da inevitabilidade das decepções e frustrações, a atitude de considerarmos a felicidade como a suprema meta da vida não é só ilusória, mas também extremamente prejudicial. Pactuando com essa crença corremos o perigo de cair em depressão ou profunda inquietação, pois os reais estados sombrios da alma tornam-se tão indesejados e sem lugar que acabamos negando, rejeitando e reprimindo tudo o que consideramos inadequado em nós, nos outros ou nas situações que enfrentamos. O sofrimento torna-se tão sem sentido, que o sentido curativo que está sempre oculto em nosso sofrimento não pode ser acessado. Como afirma Jung:
“O principal objetivo da terapia psicológica não é transportar o paciente para um impossível estado de felicidade, mas sim ajudá-lo a adquirir firmeza e paciência diante do sofrimento. A vida acontece num equilíbrio entre a alegria e a dor.”
Dependendo da forma como encaramos os desafios e as quedas, o sofrimento que experimentamos em nossos conflitos e "provações" pode assumir um aspecto muito positivo: o de chamar a atenção para um indesejável estado de coisas e inspirar o desejável estado de reflexão e mudança. Diante das crises e momentos de infelicidade, nos damos conta de que alguma atitude precisa ser tomada e "sofrer estoicamente, reagir heroicamente ou lamentar nossa condição parece ser uma escolha onerosa, porém inevitável" (Hollis, p.9). Apesar de frequentemente estarmos perdidos nos sombrios estados da culpa, da dor, da traição, da dúvida, da depressão e da raiva,
"Quando formos capazes de enxergar nossas próprias mesquinharias, ciúmes, ódios, rancores etc., então isso poderá se reverter num bem positivo, pois em tais emoções tão destrutivas está armazenada muita energia vital, e quando se tem tal energia à disposição, ela poderá ser encaminhada para fins positivos" (von Franz).
Quando evitamos esses sombrios estados da alma e perseguimos freneticamente o desejo de sermos felizes e despreocupados, perpetuamos o sofrimento. Não há descanso, não há relaxamento, estamos constantemente em estado de alerta, lutando contra as intempéries, contra o natural fluxo da vida de contração e expansão, fluxo e refluxo, subida e descida... O ego, demasiadamente apegado ao controle, à segurança e à cessação do conflito, "desconsidera, reprime, nega e foge dos pantanais. No entanto, grande parte da nossa vida é vivida a partir dessas regiões, e grande parte da prisão da neurose é uma negação dessa esfera" (Hollis, p.19).

Para a psicologia junguiana, que reconhece as polaridades da vida e considera a importância tanto da campina quanto do pântano, a meta da vida não pode ser a felicidade, mas sim a busca do significado. Buscar o verdadeiro sentido para o que nos acontece é uma atitude com grande poder curativo: nos libera da vitimização e imprime em nossa caminhada a heroica capacidade de resignificar, mudar e fluir. E apesar do significado nem sempre ser colorido e florido, ele é sempre real; e é só com os pés bem enraizados na realidade, seja ela qual for, que podemos trilhar nosso caminho e decidir o melhor rumo. Como afirma Jung, "o sentido torna suportável uma grande parte das coisas - talvez tudo". Ele nos conecta com a realidade, inunda as trevas com luz e nos faz atravessar o sofrimento

A "revelação" do significado nos é dada pela reflexão que, psicologicamente falando, pode ser entendida como o ato de "produzir consciência". De acordo com o Dicionário Crítico de Análise Junguiana  (http://www.rubedo.psc.br) a reflexão é
"um voltar-se para trás ou para dentro a partir da consciência, de modo que, em vez de uma reação imediata ou não premeditada a estímulos objetivos, intervém uma elaboração psicológica. O efeito de tal elaboração é imprevisível e, em consequência da liberdade para refletir, respostas individualizadas e relativizadas são possíveis".
A consciência tem, portanto, não apenas uma função cognitiva, mas também uma função espiritual: a de ampliar e enriquecer o sentido de nossa existência. Por intermédio dela, podemos tornar nossa jornada mais significativa. E essa é uma de nossas mais profundas necessidades, sobretudo numa sociedade hedonista e consumista como a nossa.

Significado, reflexão, ampliação da consciência e integração do inconsciente são aspectos que nos conduzem ao autoconhecimento e à verdadeira felicidade. Como bem percebeu Jung, "só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos".

Somos luz e sombra e "a tarefa da individuação é a totalidade (...) que inclui a descida que a psique frequentemente impõem ao ego relutante" (Hollis, p. 19). A terapia pretende, justamente, auxiliar o ego em sua jornada de rendição ao Self (Eu maior). A partir das reflexões suscitadas pelo processo terapêutico a integração dos aspectos inconscientes se torna possível. A análise é uma valiosa ferramenta de auxílio ao confronto saudável e promissor com o mal-estar psíquico (ansiedades, medos, conflitos, depressões etc.).  Seu "objeto" é o inconsciente (seus conteúdos e processos) e o seu o objetivo é estabelecer um relacionamento consciente com as motivações inconsciente que determinam nossas ações e escolhas. É conhecer e transformar as condições psíquicas que estão sendo sentidas como intoleráveis devido as suas interferências negativas na vida consciente.  

Na medida em que passamos a aceitar e investigar a interação entre a vida consciente e inconsciente, nos tornamos mais preparados para o fato de que  "(...) nossa vida psíquica frequentemente agirá fora do controle do ego, que seremos puxados para baixo em direção aos pantanais, e que iremos sofrer lá" (Hollis, p. 194). A boa noticia é que portando a luz da consciência  podemos descer às profundezas da almas sem se perder. Com ela iluminaremos o caminho, encontraremos o significado e subiremos renovados e fortificados. Nas palavras de Hollis (p.195):
"(...) em cada um desses estados do pantanal existe o desafio implícito de descobrir seu significado e a mudança de comportamento ou atitude que ele pode exigir. Enfrentar cada pantanal como uma pergunta implícita - qual o significado da minha depressão, a que a ansiedade está ligada na minha história, pelo que sou possuído - nos permite ser ativos em vez de passivos no nosso sofrimento".
Ao empreendermos a tarefa/desafio que cada pantanal nos oferece, conseguimos nos libertar da fantasiosa felicidade permanente e da sensação de derrota, culpa ou vergonha de nunca alcançá-la plenamente. Somos capazes, então, de transpor o sofrimento e seguir em direção a uma consciência expandida, a única capaz de despertar nossa criatividade e nosso potencial curativo. A única capaz de nos sintonizar com uma experiência de felicidade interior mais sólida e real do que aquela difundida nos famosos "comerciais de margarina".

Anaïs Nin nos apresenta o que eu chamaria de um legítimo convite feito pelo processo terapêutico: 
“E chegou o dia em que o risco de continuar espremido dentro do botão era mais doloroso que o de desabrochar”