E uma mulher que carregava o filho nos braços disse: “Fala-nos dos filhos.”
E ele disse:
Vossos filhos não são vossos filhos.
São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E, embora vivam convosco, a vós não pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Pois eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis faze-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois o arco dos quais vossos filhos, quais setas vivas, são arremessados.
O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com Sua força para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pouco pode ser acrescentado, Khalil Gibran já nos disse o essencial.
Destrinchar seus ensinamentos em explicações teóricas, racionais e psicológicas é um risco de não falarmos à alma... os lampejos de compreensão, filhos legítimos da linguagem poética, podem ser terrivelmente mutilados e a verdadeira sabedoria alienada por terminologias inférteis...
Pretendo apenas, como mãe de uma menininha de um ano e meio, externar algumas reflexões que hoje, após inúmeros contatos teóricos com a maternidade e a infância, ganharam uma significação totalmente especial.
Li recentemente a seguinte frase, cujo autor desconheço: "Já dizia o mestre: tentar adquirir experiência apenas com teoria é como tentar matar a fome apenas lendo o cardápio".
E assim chego a "matern(a)idade", podendo saborear os doces e amargos sabores deste vasto cardápio, outrora tão folheado.
Sensibilizada pela analogia feita entre os pais e o arco, entre os filhos e as flechas (ambos instrumentos do Grande Arqueiro) e pela verdade, tão belamente anunciada por Gibran, de que a vida não anda para trás e que sua inexorável mira é a "mansão do amanhã", reflito sobre dois pontos que podem barrar ou liberar a concretização de nossa missão enquanto pais:
Sensibilizada pela analogia feita entre os pais e o arco, entre os filhos e as flechas (ambos instrumentos do Grande Arqueiro) e pela verdade, tão belamente anunciada por Gibran, de que a vida não anda para trás e que sua inexorável mira é a "mansão do amanhã", reflito sobre dois pontos que podem barrar ou liberar a concretização de nossa missão enquanto pais:
Podeis outorgar-lhes vosso amor , mas não vossos pensamentos,
Pois eles têm seus próprios pensamentos.
1- Os padrões de certo e errado durante a infância são indiscutivelmente necessário pois funcionam como uma primeira baliza que poderá favorecer uma maior desenvoltura do exercício futuro do livre arbítrio, que é a escolha individual e intrasferível entre o que se julga como certo ou errado. Escolher, optar significa "matar", sacrificar as diversas possibilidades em favor daquela que é escolhida. A decisão é, portanto, um processo que envolve riscos: o risco de estar errado, o de se responsabilizar, o de se arrepender... A escolha, por conter o germe do erro, é, por si só, um processo difícil, quem dirá para aqueles que aprenderam que errar é algo inadmissível e irremediável. Sendo assim, "...é importante que a autoridade dos pais exprima padrões de certo e errado de maneira suficientemente permissiva ou flexível de modo a não sufocar a capacidade do ego para aprender cometendo seus próprios erros. Quando uma pessoa sente que cometer um erro é um acontecimento catastrófico, é levada a evitar a escolha e a decisão. Assim, o desenvolvimento de uma personalidade individual acaba sendo sufocado" (Whitmont, A Busca do Símbolo - conceitos básico de psicologia analítica, p.245). E estaremos diante de uma fecha que não pode chegar ao seu destino: sair dos padrões de obediência e submissão às figuras de autoridade, estabelecer um padrão interior de certo e errado e vencer o medo de assumir suas escolhas, desfrutando e arcando com as consequências, na tranquilidade de que nada é definitivo e tão drástico ao ponto de nos paralizar.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis faze-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
2- Desde a infância já apresentamos alguns traços de personalidade, possíveis de serem observados quando somos ainda bem pequenos. Nossas preferências, qualidades e características temperamentais encontram na família uma espécie de porto, nem sempre seguro, pois "a alfândega familiar" muitas vezes é bem rígida e não deixa passar nada daquilo que contradiz suas expectativas. O ambiente familiar tem uma influência crucial no processo de ancoragem de nossas habilidades e dificuldades. As expectativas parentais reforçam alguns traços pessoais, recompensam certas qualidades e desaprovam certos interesses e habilidades. Há uma inter-relação entre a criança e seu meio e assim como as expectativas familiares influenciam o desenvolvimento dos traços pessoais, estes também influenciam as expectativas da família. Existe, portanto, uma relação mútua de influência e toda atenção e cuidado são bem vindos aos pais educadores. Se uma determinada característica obtém a aprovação da família, a auto-estima não é abalada, mas a valorização excessiva de um potencial pode levar à unilateralidade e à privação do desenvolvimento de novas potencialidades. Se a família recompensa e encoraja o desenvolvimento daquilo que para a criança é mais natural, ela se sente bem consigo mesma por ter espaço para explorar seus interesses. O oposto acontece quando as características inerentes e a família não caminham juntas. Mas a oposição não muda os sentimentos e interesses mais profundos, apenas faz com que o indivíduo não se sinta bem consigo mesmo por ter os traços e interesses que tem, e se for incentivado a "ser outro e não ele mesmo" o resultado é uma profunda sensação de inautenticidade. Aí estaremos diante de um arco que ao invés de projetar suas flechas para longe, projetou nelas seus anseios, projetos e expectativas, deixando-as demasiadmente "pesadas" para voarem livres na direção que deveriam...
E como nos ensina Jung, "só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos", pois é justamente o afastamento de nossa verdade que nos faz adoecer. Sejamos arcos ou flechas, na mão do Grande Arqueiro somos todos filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma!
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