Este é um espaço para a reflexão de temas que em algum momento e por alguma razão (do meu contexto pessoal ou da minha prática clinica) se tornaram, usando uma expressão gestáltica, importantes FIGURAS no imenso FUNDO existencial.

25 de janeiro de 2013

Conversas com o inconsciente

     

O relacionamento com as imagens oníricas é um dos pilares da psicologia analítica. Para Jung, há uma intencionalidade evidente em todos os sonhos, que são como uma espécie de retrato fiel do momento de vida do sonhador, uma fotografia que revela, em linguagem simbólica, os desafios, desejos, ponderações e necessidades com as quais o ego deve travar relacionamento para seguir sua trajetória rumo ao Self, o arquiteto interior da integridade e ordem psíquicas. O acolhimento das mensagens oriundas do Self é um processo que atrai a agulha da bússola do ego para o norte verdadeiro. Os sonhos possuem uma capacidade diretiva e, assim sendo, são grandes professores na escola do autoconhecimento, fornecem valiosas lições para obtermos êxito na prova mais importante de nossas vidas, aquela que contém a seguinte questão: o que te faz único, individual, íntegro, completo e capaz de irradiar suas "bençãos", sua luz própria sobre os demais? 

Na Revista do Correio de junho de 2011 foi publicada uma reportagem sobre Jung, em comemoração aos 50 anos de sua morte. Reproduzo o trecho que fala sobre os sonhos. São informações e dicas que avalio como interessantes para aqueles que procuram no mundo onírico uma maior compreensão de si e dos caminhos que conduzem à auto-realização. 




Sonhos, fonte de sabedoria
Jung acreditava que os sonhos funcionavam como fotografias do dinamismo psíquico. As imagens neles contidas teriam uma função não só compensatória, como acreditava Freud, mas também serviriam para educar, orientar e até mesmo revelar lampejos de futuro — os ditos sonhos premonitórios, capazes de romper as fronteiras do tempo e do espaço. O olhar sobre o sonho, ensina, nunca deve ser restritivo: não cabe uma interpretação direta, como as sugeridas nos “dicionários dos sonhos”. O conteúdo deve ser sempre contextualizado a partir das referências pessoais do indivíduo que sonha. Abaixo, algumas dicas para que você tire proveito dos recados que o inconsciente oferece a cada noite.
- Construa um “sonhário”: Jung dizia que o simples registro diário dos sonhos já constitui um exercício terapêutico. Na medida em que anotamos as imagens, peripécias, sensações e emoções experimentadas no mundo onírico, conseguimos “organizar” os movimentos psíquicos. Compre um caderno que deverá ser dedicado exclusivamente aos sonhos e transforme o registro dos mesmos em um hábito diário.
- Descreva sempre um sonho no momento presente, como quem relata algo real. Comece pelos lugares, seguindo pelo contexto e pelo papel que você assume. Em seguida, relate as emoções vivenciadas, a evolução da cena e o desfecho. A preguiça deve ficar de lado: anote todos os detalhes que lembrar.
- A linguagem do inconsciente é sempre alegórica, simbólica. Assim sendo, todos os elementos presentes num sonho (dos personagens aos objetos) não devem ter interpretação literal — tudo faz parte de você e fala de você.
- Ao terminar o relato, tente fazer um exercício livre de associações entre aquilo que vê e as relações que se estabelecem com a vida. Jung chamou esse exercício de amplificação. Por exemplo: ao sonhar com uma colega de trabalho com quem não se tem muito contato, observe quais as principais características que ela transmite. O mesmo vale para os objetos: resgate a história relacionada a eles. Amplificar é buscar sentido diante das imagens que aparecem.
- Não tente encerrar o conteúdo de um sonho, atribuindo um significado único. Quanto mais múltiplo for o sentido, mais valia terá. Se achar interessante, escreva o resultado da amplificação abaixo do sonho.
- Em geral, todos os sonhos da mesma noite têm uma temática comum e, depois de serem analisados individualmente, deverão ser observados como um conjunto conciso. O mesmo vale para aqueles tidos durante um período específico da vida (durante uma viagem, ao fim de uma relação etc.). Dessa forma, o sentido que eles oferecem torna-se mais claro.
- Você quer começar, mas simplesmente não consegue lembrar do que sonhou? Não se aflija. Encare como um exercício. Na medida em que começamos a dedicar tempo para os sonhos, eles tendem a ficar mais limpos, vívidos e vivos na memória.
- A observação continuada dos sonhos, acompanhada por um psicoterapeuta ou analista, é um poderoso instrumento de cura e de desenvolvimento pessoal. O processo promove o autoconhecimento a partir dos elementos vindos do inconsciente.


17 de janeiro de 2013

Sobre os filhos

Dos Filhos (Khalil Gibran)

E uma mulher que carregava o filho nos braços disse: “Fala-nos dos filhos.”
E ele disse:
Vossos filhos não são vossos filhos.
São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E, embora vivam convosco, a vós não pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Pois eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis faze-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois o arco dos quais vossos filhos, quais setas vivas, são arremessados.
O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com Sua força para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco, que permanece estável.



Pouco pode ser acrescentado, Khalil Gibran já nos disse o essencial.
Destrinchar seus ensinamentos em explicações teóricas, racionais e psicológicas é um risco de não falarmos à alma... os lampejos de compreensão, filhos legítimos da linguagem poética, podem ser terrivelmente mutilados e a verdadeira sabedoria alienada por terminologias inférteis...
Pretendo apenas, como mãe de uma menininha de um ano e meio, externar algumas reflexões que hoje, após inúmeros contatos teóricos com a maternidade e a infância, ganharam uma significação totalmente especial.
Li recentemente a seguinte frase, cujo autor desconheço: "Já dizia o mestre: tentar adquirir experiência apenas com teoria é como tentar matar a fome apenas lendo o cardápio".
E assim chego a "matern(a)idade", podendo saborear os doces e amargos sabores deste vasto cardápio, outrora tão folheado.  
Sensibilizada pela analogia feita entre os pais e o arco, entre os filhos e as flechas (ambos instrumentos do Grande Arqueiro) e pela verdade, tão belamente anunciada por Gibran, de que a vida não anda para trás e que sua inexorável mira é a "mansão do amanhã", reflito sobre dois pontos que podem barrar ou liberar a concretização de nossa missão enquanto pais: 

Podeis outorgar-lhes vosso amor , mas não vossos pensamentos,
Pois eles têm seus próprios pensamentos.
   
1- Os padrões de certo e errado durante a infância são indiscutivelmente necessário pois funcionam como uma primeira baliza que poderá favorecer uma maior desenvoltura do exercício futuro do livre arbítrio, que é a escolha individual e intrasferível entre o que se julga como certo ou errado. Escolher, optar significa "matar", sacrificar as diversas possibilidades em favor daquela que é escolhida. A decisão é, portanto, um processo que envolve riscos: o risco de estar errado, o de se responsabilizar, o de se arrepender... A escolha, por conter o germe do erro, é, por si só, um processo difícil, quem dirá para aqueles que aprenderam que errar é algo inadmissível e irremediável. Sendo assim, "...é importante que a autoridade dos pais exprima padrões de certo e errado de maneira suficientemente permissiva ou flexível de modo a não sufocar a capacidade do ego para aprender cometendo seus próprios erros. Quando uma pessoa sente que cometer um erro é um acontecimento catastrófico, é levada a evitar a escolha e a decisão. Assim, o desenvolvimento de uma personalidade individual acaba sendo sufocado" (Whitmont, A Busca do Símbolo - conceitos básico de psicologia analítica, p.245). E estaremos diante de uma fecha que não pode chegar ao seu destino: sair dos padrões de obediência e submissão às figuras de autoridade, estabelecer um padrão interior de certo e errado e vencer o medo de assumir suas escolhas, desfrutando e arcando com as consequências, na tranquilidade de que nada é definitivo e tão drástico ao ponto de nos paralizar.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis faze-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

2- Desde a infância já apresentamos alguns traços de personalidade, possíveis de serem observados quando somos ainda bem pequenos. Nossas preferências, qualidades e características temperamentais encontram na família uma espécie de porto, nem sempre seguro, pois "a alfândega familiar" muitas vezes é bem rígida e não deixa passar nada daquilo que contradiz suas expectativas. O ambiente familiar tem uma influência crucial no processo de ancoragem de nossas habilidades e dificuldades. As expectativas parentais reforçam alguns traços pessoais, recompensam certas qualidades e desaprovam certos interesses e habilidades. Há uma inter-relação entre a criança e seu meio e assim como as expectativas familiares influenciam o desenvolvimento dos traços pessoais, estes também influenciam as expectativas da família. Existe, portanto, uma relação mútua de influência e toda atenção e cuidado são bem vindos aos pais educadores. Se uma determinada característica obtém a aprovação da família, a auto-estima não é abalada, mas a valorização excessiva de um potencial pode levar à unilateralidade e à privação do desenvolvimento de novas potencialidades. Se a família recompensa e encoraja o desenvolvimento daquilo que para a criança é mais natural, ela se sente bem consigo mesma por ter espaço para explorar seus interesses. O oposto acontece quando as características inerentes e a família não caminham juntas. Mas a oposição não muda os sentimentos e interesses mais profundos, apenas faz com que o indivíduo não se sinta bem consigo mesmo por ter os traços e interesses que tem, e se for incentivado a "ser outro e não ele mesmo" o resultado é uma profunda sensação de inautenticidade. Aí estaremos diante de um arco que ao invés de projetar suas flechas para longe, projetou nelas seus anseios, projetos e expectativas, deixando-as demasiadmente "pesadas" para voarem livres na direção que deveriam... 
E como nos ensina Jung, "só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos", pois é justamente o afastamento de nossa verdade que nos faz adoecer. Sejamos arcos ou flechas, na mão do Grande Arqueiro somos todos filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma!